— Fátima, para onde vão os Yanomami quando morrem?
— Para o hutu mosi.
— E onde fica o hutu mosi?
— Fica no céu, parece longe, mas é perto. É bonito, há muita fartura, os Yanomami sempre dançam, cantam. Todos vivem felizes no hutu mosi.
— Como podem viver felizes se estão mortos?
— O corpo morre, mas a imagem se transforma em pore. São pore, mas ainda vivem.
A imagem que se transforma em pore quando a pessoa morre é a parte da pessoa que desprende do corpo quando ela sonha. Na língua Yanomami, se diz pei utupë. Se traduz como a imagem que todos os seres possuem dentro de si. Utupë também pode ser um reflexo, uma sombra. Assim, a imagem que se vê no espelho é um utupë, da mesma forma que uma foto, uma imagem que se vê na TV.
Para que um Yanomami possa morrer, é preciso que todas as partes que compõem a pessoa sejam destruídas.
A imagem faz parte do morto, assim como seu nome.
Tudo o que pertencia ao morto precisa ser destruído. É por isso que a imagem, que é parte constituinte e fundamental da pessoa Yanomami, é algo tão precioso e precisa ser tratada com cuidado. É por essa razão que os Yanomami pediram, dias atrás, que a foto onde aparece uma velha mulher em estado de desnutrição severa fosse apagada. Ela faleceu, mas no pensamento Yanomami ela não pode morrer enquanto sua imagem permanecer nesse plano e reanimar nos vivos a dor de sua ausência.
Se os relatos [das 570 crianças Yanomami mortas no governo Bolsonaro] viessem sem as imagens dilacerantes publicadas em SUMAÚMA, que depois proliferaram por todos os lados nas redes sociais, certamente não causariam o necessário impacto que tiveram. Nós, napë pë, só cremos naquilo que vemos, e por isso as imagens são tão importantes. Mas, porque precisamos da imagem, os Yanomami hoje morrem sem poder morrer.
Leia o artigo da antropóloga Hanna Limulja, que explica o dramático impasse dos indígenas que, para denunciar seu genocídio ao mundo, precisam correr o risco de não alcançar a felicidade após a morte (link na bio).
Foto: Pablo Albarenga/SUMAÚMA.
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